O artigo abaixo, escrito pela educadora Windyz B. Ferreira*, foi enviado pela psicóloga Denise Martins, que também é uma árdua batalhadora dos direitos das pessoas com deficiência.
Confesso que este artigo é o melhor que já li sobre Educação Inclusiva, um tema que possui muitos conceitos e muitas nuances.
Também fui abordada com uma questão igual quando proferi uma palestra para professores de Escola Municipal. Daí me dei conta da abrangência do meu tema, pois os professores, mais que ninguém sabem muito bem que a educação inclusiva vai além da pessoa com deficiência.
Este artigo pode mudar o conceito arraigado e limitado que estamos acostumados.
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Hoje, as expressões educação inclusiva, inclusão, necessidades especiais,
fracasso escolar, evasão, formação de professoras, gestão participativa,
projetos educacionais, e muitas outras fazem parte de nosso dia-a-dia
trabalhando no sistema educacional brasileiro. Aonde quer que eu vá, seja em
São Paulo ou no sertão Pernambucano, escuto sem- pre as mesmas preocupações, os
mesmos dilemas e os mesmos desafios. Poderia dizer também que escuto as mesmas
queixas e dúvidas…
Direitos da Pessoa com Deficiência e Inclusão nas Escolas
Passos para uma sociedade inclusiva
Inclusão e diversidade
Dos gestores:
” A escola não possui professores ou recursos especializados… desculpe…” Nós
não temos classes especiais e nossos professores não estão preparados para
receber crianças com deficiência. NÃO podemos aceitá-lo.
Dos gestores e professores:
” Eu não sou contra a inclusão… mas como receber uma criança com deficiência
numa sala com mais de 40 crianças???”
” Criança com necessidade especial? Ah! Sim, temos uma professora que é
maravilhosa. Ela adora essas crianças e aceita ficar com elas na sua classe…”
Dos professores:
” Eu entendo e concordo que todas as crianças têm os mesmos direitos à
educação, mas como eu vou dar conta de todos os meus alunos (as) e ainda dar”
atenção” e cuidar de uma criança com deficiência?”
” Eu não estou” preparada” para receber uma criança” especial” na minha sala
de aula.”
Acredito que todas essas falas aqui mencionadas tenham eco no âmbito da
experiência de todos… Afinal, como tenho ouvido de muitos ducadores, gestores,
e até mesmo de pessoas com deficiência, pessoas que trabalham na área de
educação especial e pais, etc: “não é justo que uma criança com deficiência
seja matriculada em uma escola onde ela não será aceita, na qual os professores
não estão preparados para recebê-las e onde não há recursos para responder às
suas necessidades!”
Agora dirijo meu olhar para ou tro aspecto da vida escolar. Vamos falar um
pouco das crianças que não têm deficiência…
Nas minhas andanças pelas escolas brasileiras de vários estados quando sou
convidada para falar sobre educação inclusiva ou coordenar algum projeto sobre
abordagens de ensino inclusivas, tenho também escutado professores e gestores
falando sobre outros problemas que afetam a comunidade escolar, os quais
envolvem estórias de violência, prostituição, tráfico de drogas, assassinatos,
brigas, medos, etc. O medo é muito grande e as estórias são às vezes
assustadoras… Tendo como pano de fundo este tipo de problemas comunitários, é
comum eu ouvir os seguintes depoimentos:
“Imagine, eu sou professora de 4ª. Série e muitos de meus alunos (a) ainda
não sabem ler! Não é fácil…” Como meu (s) aluno (s) pode (m) aprender se vivem
naquele ambiente horrível? A comunidade onde esta escola está inserida é muito
pobre e aqui acontecem coisas horríveis. Há muita violência, os pais são
embriagados e as mães muitas vezes prostitutas… essas crianças não têm como
aprender ou receberem apoio em seus estudos nessas condições.
“Eu queria fazer uma revisão… quando perguntei aos alunos o que sabiam sobre
o que eu tinha ensinado durante um semestre, os alunos me deram os tópicos do
programa da disciplina. Quando perguntei-lhes o que tinham aprendido, eles
responderam: Nada! E quando perguntei o que queriam aprender… disseram
novamente: Nada! Descobri que tudo o que eu ensinei para minha turma de 5ª.
Série não tinha sido aprendido.”
“Você tem ideia do que seja dar aula por aqui?! A gente vive aterrorizada
com a violência local e essas crianças não têm valores ou respeito pelo outro.
Como vão aprender a se com- portar na sala de aula? Como vão entender a
importância da educação para as suas vidas?” “Imagine que meu aluno um dia me
disse: porque vou per- der meu tempo com a escola se meu pai nunca estudou e
ganha muito bem com o tráfico de drogas?”
Em meio a tantas restrições baseadas na crença do despreparo da escola e dos
professores para receber crianças com deficiências, somado aos problemas
sociais que afetam a população, que tem tentado sobreviver às desigualdades
sócio econômicas. Eu coloco as seguintes questões:
Quem na sua escola tem necessidades educacionais especiais? Quem é
considerada uma criança com deficiência? O que é deficiência e o que é ser
‘deficiente’? Qual é a diferença entre necessidades educacionais que foram
geradas por uma deficiência e necessidades educacionais que foram geradas por
uma deficiência social e econômica? Qual é a diferença real entre crianças com
deficiência que não têm acesso à escola ou são discriminadas na sala de aula e
crianças sem deficiência que fracassam na escola, se evadem e são
marginalizadas socialmente?
Qual é a diferença real se ambas são excluídas e têm violado seu
direito fundamental à educação? A Educação Inclusiva tenta ser uma resposta a
tantas indagações…
A educação inclusiva como resposta às necessidades especiais de todas as
crianças
A Educação Inclusiva surgiu, e vem crescendo no mundo inteiro, com base no
pressuposto de que TODA criança tem direito à educação de qualidade e de que,
portanto, os sistemas educacionais têm que mudar para poder responder a essas
necessidades. Na educação inclusiva defendemos que TODAS as crianças SÃO
ESPECIAIS e, por isso mesmo, devem receber o que a escola tem de melhor–em
outras palavras todas as escolas devem ser especiais. Como crianças especiais,
TODAS têm direito de acesso à educação e de conviver com as crianças de seu
próprio bairro, seus irmãos, seus colegas, seus pais ou familiares e TODAS
merecem nossa atenção, cuidado e aperfeiçoamento.
A Educação Inclusiva, portanto, não diz respeito somente às crianças com
deficiência–cuja grande maioria no Brasil ainda permanece fora das escolas,
porque nós nem tentamos aceitá-las–mas diz respeito a todas as crianças que
enfrentam barreiras: barreiras de acesso à escolarização ou de acesso ao
currículo, que levam ao fracasso escolar e à exclusão social. Na verdade, são
essas barreiras que são nossas grandes inimigas e devem ser foco de nossa
atenção para que possamos identificá-las, entendê-las e combatê-las.
Embora aqui, nossa atenção esteja centrada na realidade educacional
brasileira, a realidade da exclusão educacional dos chamados “grupos sociais
vulneráveis ou grupos de risco” é uma realidade mundial que também afeta os
grupos que vivem em situação de desvantagem nos países ricos. Grupos sociais em
risco de exclusão se referem a crianças e jovens que vivem nas ruas, crianças
que sofrem maus-tratos e violência doméstica, crianças e jovens com
deficiência, meninas que são levadas a se prostituírem, crianças e jovens com o
vírus do HIV/ AIDS, com câncer ou outra doença terminal, crianças e jovens que
estão em conflito com a lei, crianças negras e indígenas e outros grupos que,
por razões distintas, sejam produto da desigualdade social e econômica e,
principalmente, sejam objeto de discriminação e preconceito dentro e fora das
escolas.
São exatamente esses grupos sociais que estão no coração da educação
inclusiva. Esta se caracteriza como um movimento em defesa da escola de
qualidade para todos, nas quais todos–gestores, professores, alunos, técnicos,
profissionais, comunidade–estejam comprometidos com a melhoria da escola para
todos os membros da comunidade escolar e a valorização de todos por meio do
desenvolvimento pessoal e profissional.
O movimento da educação inclusiva no mundo
Mundialmente a atenção que tem sido dada ao sistema educacional como um todo
tem crescido significativamente após a publicação da Declaração Mundial de
Educação para Todos e Diretrizes de Ação para o Encontro das Necessidades
Básicas de Aprendizagem (Jomtien, Tailândia) em 1990, que declara que:
“todas as pessoas têm o direito fundamental à Educação e que a educação para
todos representa um consenso mundial de uma visão muito mais abrangente de
educação básica, assim como representa um renovado compromisso para assegurar
que as necessidades básicas de aprendizagem de todas as crianças, jovens ou
adultos serão encontradas, efetivamente, em todos os países.”(Haddad, Prefácio,
1990)
O movimento da Educação para Todos introduziu nas agendas governamentais de
todos os países temas tais como a necessidade de melhoria da gestão com vistas
ao desenvolvimento escolar, a importância de se investir na formação de
professores, a relação entre ao ensino, a aprendizagem e a diversidade humana
existente nas salas de aula. Todos estes temas estão diretamente relacionados à
mudanças pelas quais a escola deve passar para responder às necessidades
básicas de aprendizagem de todas as crianças. Como sabemos, esses temas têm
sido constante foco de debate nacional e constitui o fundamento do Programa
Educação Inclusiva: direito à diversidade e do Projeto Educar na Diversidade,
ambos da Secretaria de Educação Especial do MEC.
Na mesma linha de busca de respostas à diversidade humana existente nas
escolas e procurando reforçar o compromisso com a Educação para Todos, a
Declaração de Salamanca, Princípios, Política e Prática em Necessidades
Educacionais Especiais, 2 publicada em 1994, defende que o princípio da
Inclusão através do reconhecimento da necessidade de ir ao encontro da escola
para todos que são instituições que incluem todas as pessoas, celebram as
diferenças, apóiam a aprendizagem e respondem adequadamente às necessidades
individuais. Assim, estas instituições constituem-se uma importante
contribuição para a tarefa de adquirir Educação para Todos e para fazer escolas
educacionalmente mais efetivas.” (Mayor, 1994, p. iii-iv).
Apesar do intenso debate sobre a necessidade urgente de transformação do
sistema regular de ensino em um ambiente mais inclusivo, justo e mais democrático,
as resistências ainda são muitas e, consequentemente, o progresso em direção a
escolas mais inclusivas ainda é limitado. Mas o que seriam estas “tais” escolas
inclusivas?
Escolas Inclusivas são escolas que devem levar em conta TODAS as crianças e
suas necessidades educacionais, pessoais, emocionais, familiares, etc. Uma
escola inclusiva deve ser humanística, no sentido de assumir a formação
integral da criança e o jovem como sua finalidade primeira e última. Uma escola
inclusiva não pode somente se referir a um grupo social em desvantagem e
excluído (mais frequentemente conhecido como o grupo das crianças com
deficiência), mas deve, ao invés disso, se comprometer e lutar pelo direito de
todos aqueles que vivem em situação de risco, como resultado de uma sociedade
injusta e desigual que privilegia os que têm em detrimento daqueles que nada
possuem.
Na minha jornada pessoal e profissional, tenho visto muitos professores sem
recursos materiais algum e que possuem, sem dúvida, um coração inclusivo. Mas
estes ainda me parecem poucos, diante do exército de professores que ainda
acreditam que as escolas somente servem para os que são mais afortunados,
possuem famílias estruturadas ou que são intelectualmente mais preparados. A
professora com um coração inclusivo, independentemente das condições
existenciais precárias de seus alunos, busca com sua ação pedagógica criar
igualdade de oportunidades para combater a desigualdade existente na sociedade.
Esta professora terá, contudo, uma atenção profissional especial àqueles que
são massacrados pelas condições em que vivem. Será que todos nós não poderíamos
tentar fazer parte de um movimento que busca a igualdade de oportunidades que
nós gostaríamos de ver para os nossos próprios filhos?
O movimento pelas escolas inclusivas tem como principal objetivo romper com
as práticas didático-pedagógicas autoritárias e alienantes, que não reconhecem
o papel fundamental do aluno no processo ensino-aprendizagem. As práticas que
aprendemos nas universidades ou no dia-a-dia das escolas são práticas que veem
o aluno como um mero recipiente de conhecimentos. Não reconhecem a experiência
e os conhecimentos que o aluno já possui. Desta forma, tais práticas não
promovem a autonomia na aprendizagem ou parceria para a construção do
conhecimento. A escola que conhecemos quer sim controlar o estudante,
amordaçá-lo e silenciá-lo. É muito comum ouvir professores dizendo que “não tem
como controlar a turma.” Mas será que o controle é a resposta a este novo
aluno? Eu acredito que a escola que aí está não reconhece no estudante um
sujeito de sua história e, portanto, lhe nega o direito à contribuir na
construção de sua cidadania, por isso, os estudantes reagem e provocam sérios
conflitos de poder dentro das escolas.
Tendo identificado alguns dilemas no âmbito de nosso sistema educacional e
nossas escolas, vamos agora voltar nosso olhar para o conceito de inclusão.
Este é um conceito que está ainda sendo construído: no mundo inteiro podemos
encontrar diferentes definições em diferentes lugares. Por não haver ainda uma
clareza conceitual, falar sobre educação inclusiva gera desacordos e
divergências, as quais por sua vez, criam turbulências nas escolas:
desentendimentos, resistências, às vezes “rachas e fofocas…” Enfim, uma série
de conflitos que, com certeza, não fazem bem para nenhum dos membros escolares
e também não levam a lugar nenhum. Assim, vamos olhar para este conceito a
distância e vamos refletir juntos sobre o que há de consensual entre os autores
que já o definiram.
CONTINUA…
*Windyz Ferreira é PhD. em Educação e Mestre em Pesquisa Educacional pela
University of Manchester (Inglaterra). Realiza pesquisa e consultoria (nacional
e internacional) no campo da Educação Inclusiva, Formação de Professores e na
área de Deficiência. É consultora do Banco Mundial, UNESCO e Save the Children
Reino Unido e Suécia). Atualmente, é coordenadora do Projeto Educar na
Diversidade da SEESP/MEC.
Fonte: INCLUSÃO-Revista da Educação
Especial-Out/2005