A partir de hoje vou postar as decisões do STF sobre o Recurso Extraordinário nº: 635659, que trata do porte de droga para consumo pessoal e criminalização, especificamente em relação ao art. 28 da Lei 11.343/2006, que assim estabelece:
"Art. 28. Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado."
É um julgamento importante para a sociedade, em virtude do aumento do consumo de drogas x tráfico.
É imperativo demonstrar qual a relação, quais as responsabilidades do poderes, qual é a substância que deve ser considerada para uso próprio, qual a diferença: quantidade, local? Perguntas que o STF terá que enfrentar e está enfrentando como se observa no informativo abaixo, para diferenciar usuário de tráfico.
Segue abaixo a primeira parte.
ANA LÚCIA DE OLIVEIRA
Advogada
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Porte de droga para consumo pessoal e criminalização - 4
O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que
se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica a
conduta de porte de droga para consumo pessoal — v. Informativo 795. Em
voto-vista, o Ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao recurso para: a)
declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, sem redução de
texto, especificamente para situação que, como no caso concreto, apresentasse
conduta que, descrita no tipo legal, tivesse exclusivamente como objeto
material a maconha; b) manter, nos termos da atual legislação e seu regulamento,
a proibição, inclusive do uso e do porte para consumo pessoal, de todas as
demais drogas ilícitas; c) manter a tipificação criminal das condutas
relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do recurso e,
concomitantemente, declarar a inconstitucionalidade progressiva dessa
tipificação, ou seja, das condutas relacionadas à produção e à comercialização
de maconha, até que sobreviesse a devida regulamentação legislativa,
permanecendo, nesse ínterim, hígidas as tipificações constantes do Título IV,
especialmente criminais, do art. 33, e dispositivos conexos da lei em questão;
d) declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades
mínimas que servissem de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e
determinar aos órgãos do Poder Executivo — Secretaria Nacional de Políticas
sobre Drogas - SENAD e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária -
CNPCP —, aos quais incumbe a elaboração e a execução de políticas públicas
sobre drogas, que exercessem suas competências e, até que sobreviesse a
legislação específica, emitissem, no prazo máximo de 90 dias, a contar da data
do julgamento em comento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos
para serem considerados, “iuris tantum”, na situação dos autos; e) absolver o
recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do CPP; e,
por fim, f) propor ao Plenário, nos termos do inciso V do art. 7° do RISTF, a
criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão
temporária, a ser designada pelo Presidente do STF, para o fim de, à luz do
inciso III do art. 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação do
Tribunal nesse caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e
traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições,
estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos,
comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de
comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e
apresentar relato na forma de subsídio e sistematização. O Ministro ressaltou
que o recurso extraordinário sob enfoque desafiaria acórdão que tratara de hipótese
específica, a de porte de maconha para uso pessoal. A análise de um recurso
extraordinário sob a sistemática da repercussão geral possibilitaria ao STF
extrapolar os limites do pedido formulado para firmar tese acerca de tema que,
para além dos interesses subjetivos da demanda, fosse de inegável relevância
jurídica, social, política ou econômica. Não obstante, quando se estivesse
diante de um tema de natureza penal, seria prudente judiciosa auto-contenção da
Corte, pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso poderia conduzir
a intervenções judiciais desproporcionais, fosse sob o ponto de vista do regime
das liberdades, fosse sob o ponto de vista da proteção social insuficiente.
RE 635659/SP, rel.
Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
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O Ministro Edson Fachin asseverou que, assim sendo, em virtude
da complexidade inerente ao problema jurídico sob a análise do STF no recurso,
seria necessária a estrita observância das balizas fáticas e jurídicas do caso
concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a
constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha
para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e
privacidade. Destacou, relativamente ao questionamento objeto do recurso, ser
cabível a resposta da informação, educação, atenção e cuidado da saúde dos
usuários de drogas, e não a criminalização. Seria indispensável, assim, a
atuação do Poder Público, da sociedade, das famílias em sua dimensão expandida,
das entidades religiosas e de benemerência, no incremento das redes de atenção
e cuidado à saúde das pessoas que abusassem de substâncias que causassem
dependência, e especialmente no campo da prevenção e proteção de crianças e
adolescentes. A distinção entre usuário e traficante, entretanto, atravessaria
a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e exigiria, inevitavelmente,
que se adotassem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizassem o uso
de droga. Não se inseriria na atribuição do Poder Judiciário, entretanto, a
definição dessas balizas. Se o legislador já editara lei para tipificar como
crime o tráfico de drogas, competiria ao Poder Legislativo o exercício de suas
atribuições, no qual definisse, assim, os parâmetros objetivos de natureza e
quantidade de droga que deveriam ser levados em conta para diferenciação entre
uso e tráfico de drogas. Desse modo, seria responsabilidade, de um lado, do
Poder Legislativo a fixação de tais parâmetros, e de outro, a respectiva
regulamentação e execução por parte dos referidos órgãos do Poder Executivo.
Até que isso se desse, e mesmo após, a adoção imperativa da audiência de
apresentação em até 24 horas, poderia extirpar, perante o juiz, qualquer desvio
prático no emprego desse critério, especialmente diante do tráfico. Enquanto
não houvesse pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, seria
mandatório, portanto, reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna
por meio do SENAD e do CNPCP, até que sobreviesse definição legislativa, que os
regulamentassem, na condição “rebus sic stantibus”.
RE 635659/SP, rel.
Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
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O Ministro Roberto Barroso proveu o recurso extraordinário para
declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, relativamente
ao porte de maconha para consumo próprio, e absolveu o recorrente. Porém, não
analisou a controvérsia a respeito das demais drogas. Afirmou que o fracasso da
política atual criara um imenso mercado negro de drogas controlado pelo crime
organizado. Verificou que, nas últimas décadas, sobretudo depois edição da Lei
de Tóxico, o consumo de drogas aumentara, ao passo que, no mesmo período de
tempo, o de cigarro diminuíra. Observou que a contrapropaganda, o debate público,
a informação e a advertência produziriam melhores resultados do que a
criminalização. Notou que a política de criminalização e de repressão ao
consumo de drogas em geral e de maconha, em particular, geraria um alto custo
para a sociedade, especialmente pelo aumento exponencial da população
carcerária. Além disso, o custo financeiro de cada vaga no sistema
penitenciário seria muito caro. Salientou que os presos entrariam primários e
sairiam cooptados por facções. Dessa forma, tornar-se-iam criminosos perigosos
que voltariam para as ruas e retroalimentariam a violência. Ressaltou que, a
despeito de a defesa da criminalização invocar a saúde pública como bem
jurídico protegido, essa política consumiria cada vez mais recursos que,
evidentemente, não iriam para tratamento, educação e saúde preventiva. Ademais,
o usuário não procuraria o sistema de saúde pública, porque isso significaria
assumir a condição de criminoso. Portanto, a criminalização não protegeria, mas
antes comprometeria a saúde pública. Destacou que o direito à privacidade
identificaria uma esfera na vida das pessoas que deveria ser imune à
interferência do Estado, sobretudo quando o que se fizesse na intimidade não
afetasse a esfera jurídica de terceiros. Por essa razão, o Estado não poderia invadir
a esfera da autonomia individual. Assim, um indivíduo
que fumasse um cigarro de maconha dentro do seu domicílio ou num espaço
puramente privado não violaria direitos de terceiros, nem qualquer valor
social, ou mesmo a saúde pública. Mas, se fumar
maconha pudesse ser criminalizado em nome da saúde pública, então, se deveria
criminalizar antes o álcool e o próprio cigarro convencional. Portanto,
seria inequívoca a afronta à autonomia individual representada pela punição de
quem portasse maconha para uso pessoal dentro da sua esfera privada.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
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O Ministro Roberto Barroso
asseverou que a criminalização não passaria no teste da proporcionalidade nas
modalidades: adequação da restrição, necessidade da restrição e a chamada
proporcionalidade em sentido estrito. A criminalização não conseguira produzir
resultado quantitativamente relevante no consumo, sobretudo, porque causara
impacto negativo à saúde pública. Consignou que seria necessária a adoção de
critério objetivo para distinguir o consumo pessoal do tráfico. Explicou que
essa prerrogativa seria do Poder Legislativo. Entretanto, seria possível ao STF
o estabelecimento de critério, ainda que provisoriamente, até posterior atuação
do Parlamento. Propôs que quem portasse até 25 g de
maconha não fosse considerado traficante. Todavia,
isso não
impediria que o juiz do caso concreto reputasse que alguém com quantidade maior
a estivesse portando para consumo pessoal, nem que alguém com 25 g a estivesse portando para tráfico. Mas, nessa
situação, o juiz
teria que superar essa presunção, e, portanto, o ônus argumentativo
tornar-se-ia mais árduo para o magistrado. Também
não seria considerado traficante quem tivesse até seis plantas fêmeas como
produção para consumo pessoal. O Ministro Gilmar Mendes (relator), ao
reafirmar o seu voto, declarou a inconstitucionalidade, sem redução de texto,
do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo
e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, manteve, até o advento da
legislação específica, as medidas ali previstas com natureza administrativa. Em
seguida, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015. (RE-635659)
Fonte: Informativo do STF - Brasília, 7 a 11 de setembro de 2015 Nº 798
Data de divulgação: 17 de setembro de 2015