Brasília, 7 a 11 de setembro de 2015 Nº 798
Data de divulgação:
17 de setembro de 2015
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação
a direito fundamental - 8
O Plenário anotou que no sistema prisional brasileiro ocorreria
violação generalizada de direitos fundamentais dos presos no tocante à
dignidade, higidez física e integridade psíquica. As penas privativas de
liberdade aplicadas nos presídios converter-se-iam em penas cruéis e desumanas.
Nesse contexto, diversos dispositivos constitucionais (artigos 1º, III, 5º,
III, XLVII, e, XLVIII, XLIX, LXXIV, e 6º), normas internacionais reconhecedoras
dos direitos dos presos (o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos,
a Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos e Penas Cruéis, Desumanos e
Degradantes e a Convenção Americana de Direitos Humanos) e normas
infraconstitucionais como a LEP e a LC 79/1994, que criara o Funpen, teriam
sido transgredidas. Em relação ao Funpen, os recursos estariam sendo
contingenciados pela União, o que impediria a formulação de novas políticas
públicas ou a melhoria das existentes e contribuiria para o agravamento do
quadro. Destacou que a forte violação dos direitos fundamentais dos presos
repercutiria além das respectivas situações subjetivas e produziria mais
violência contra a própria sociedade. Os cárceres brasileiros, além de não
servirem à ressocialização dos presos, fomentariam o aumento da criminalidade,
pois transformariam pequenos delinquentes em “monstros do crime”. A prova da
ineficiência do sistema como política de segurança pública estaria nas altas
taxas de reincidência. E o reincidente passaria a cometer crimes ainda mais
graves. Consignou que a situação seria assustadora: dentro dos presídios,
violações sistemáticas de direitos humanos; fora deles, aumento da
criminalidade e da insegurança social. Registrou que a responsabilidade por
essa situação não poderia ser atribuída a um
único e exclusivo poder, mas aos três — Legislativo, Executivo e Judiciário —,
e não só os da União, como também os dos Estados-Membros e do Distrito Federal.
Ponderou que haveria problemas tanto de formulação e implementação de políticas
públicas, quanto de interpretação e aplicação da lei penal. Além disso,
faltaria coordenação institucional. A ausência de medidas legislativas,
administrativas e orçamentárias eficazes representaria falha estrutural a gerar
tanto a ofensa reiterada dos direitos, quanto a perpetuação e o agravamento da
situação. O Poder Judiciário também seria responsável, já que aproximadamente
41% dos presos estariam sob custódia provisória e pesquisas demonstrariam que,
quando julgados, a maioria alcançaria a absolvição ou a condenação a penas
alternativas. Ademais, a manutenção de elevado número de presos para além do
tempo de pena fixado evidenciaria a inadequada assistência judiciária. A
violação de direitos fundamentais alcançaria a transgressão à dignidade da
pessoa humana e ao próprio mínimo existencial e justificaria a atuação mais
assertiva do STF. Assim, caberia à Corte o papel de retirar os demais poderes
da inércia, catalisar os debates e novas políticas públicas, coordenar as ações
e monitorar os resultados. A intervenção judicial seria reclamada ante a
incapacidade demonstrada pelas instituições legislativas e administrativas.
Todavia, não se autorizaria o STF a substituir-se ao Legislativo e ao Executivo
na consecução de tarefas próprias. O Tribunal deveria superar bloqueios
políticos e institucionais sem afastar esses poderes dos processos de
formulação e implementação das soluções necessárias. Deveria agir em diálogo
com os outros poderes e com a sociedade. Não lhe incumbira, no entanto, definir
o conteúdo próprio dessas políticas, os detalhes dos meios a serem empregados.
Em vez de desprezar as capacidades institucionais dos outros poderes, deveria
coordená-las, a fim de afastar o estado de inércia e deficiência estatal
permanente. Não se trataria de substituição aos demais poderes, e sim de
oferecimento de incentivos, parâmetros e objetivos indispensáveis à atuação de
cada qual, deixando-lhes o estabelecimento das minúcias para se alcançar o
equilíbrio entre respostas efetivas às violações de direitos e as limitações
institucionais reveladas. O Tribunal, no que se refere às alíneas “a”, “c” e
“d”, ponderou se tratar de pedidos que traduziriam mandamentos legais já
impostos aos juízes. As medidas poderiam ser positivas como reforço ou
incentivo, mas, no caso da alínea “a”, por exemplo, a inserção desse capítulo
nas decisões representaria medida genérica e não necessariamente capaz de permitir
a análise do caso concreto. Como resultado, aumentaria o número de reclamações
dirigidas ao STF. Seria mais recomendável atuar na formação do magistrado, para
reduzir a cultura do encarceramento. No tocante à cautelar de ofício proposta
pelo Ministro Roberto Barroso, o Colegiado frisou que o Estado de São Paulo,
apesar de conter o maior número de presos atualmente, não teria fornecido
informações a respeito da situação carcerária na unidade federada. De toda
forma, seria imprescindível um panorama nacional sobre o assunto, para que a
Corte tivesse elementos para construir uma solução para o problema.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.9.2015. (ADPF-347)
fonte: Informativo do STF