Informativos do STF sobre o "estado de coisas inconstitucional", pensamento configurado pela Corte Constitucional da Colômbia, diante das seguintes situações: violação generalizada e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades.
Segue a segunda parte.
ANA LÚCIA DE OLIVEIRA
Advogada
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Brasília, 31 de agosto
a 4 de setembro de 2015 Nº 797
Data de divulgação:
10 de setembro de 2015
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação
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O Plenário retomou julgamento de medida cautelar em arguição de
descumprimento de preceito fundamental em que se discute a configuração do
chamado “estado de coisas inconstitucional” relativamente ao sistema
penitenciário brasileiro. Nessa mesma ação também se debate a adoção de
providências estruturais com objetivo de sanar as lesões a preceitos
fundamentais sofridas pelos presos em decorrência de ações e omissões dos
Poderes da União, dos Estados-Membros e do Distrito Federal. No caso, alega-se
estar configurado o denominado, pela Corte Constitucional da Colômbia, “estado
de coisas inconstitucional”, diante da seguinte situação: violação generalizada
e sistêmica de direitos fundamentais; inércia ou incapacidade reiterada e persistente
das autoridades públicas em modificar a conjuntura; transgressões a exigir a
atuação não apenas de um órgão, mas sim de uma pluralidade de autoridades.
Postula-se o deferimento de liminar para que seja determinado aos juízes e
tribunais: a) que lancem, em casos de determinação ou manutenção de prisão
provisória, a motivação expressa pela qual não se aplicam medidas cautelares
alternativas à privação de liberdade, estabelecidas no art. 319 do CPP; b) que,
observados os artigos 9.3 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos e 7.5 da
Convenção Interamericana de Direitos Humanos, realizem, em até 90 dias,
audiências de custódia, viabilizando o comparecimento do preso perante a
autoridade judiciária no prazo máximo de 24 horas, contadas do momento da
prisão; c) que considerem, fundamentadamente, o quadro dramático do sistema
penitenciário brasileiro no momento de implemento de cautelares penais, na
aplicação da pena e durante o processo de execução penal; d) que estabeleçam,
quando possível, penas alternativas à prisão, ante a circunstância de a
reclusão ser sistematicamente cumprida em condições muito mais severas do que
as admitidas pelo arcabouço normativo; e) que venham a abrandar os requisitos
temporais para a fruição de benefícios e direitos dos presos, como a progressão
de regime, o livramento condicional e a suspensão condicional da pena, quando
reveladas as condições de cumprimento da pena mais severas do que as previstas
na ordem jurídica em razão do quadro do sistema carcerário, preservando-se,
assim, a proporcionalidade da sanção; e f) que se abata da pena o tempo de
prisão, se constatado que as condições de efetivo cumprimento são
significativamente mais severas do que as previstas na ordem jurídica, de forma
a compensar o ilícito estatal. Postula-se, finalmente, que seja determinado: g)
ao CNJ que coordene mutirão carcerário a fim de revisar todos os processos de
execução penal, em curso no País, que envolvam a aplicação de pena privativa de
liberdade, visando a adequá-los às medidas pleiteadas nas letras “e” e “f”; e
h) à União que libere as verbas do Fundo Penitenciário Nacional – Funpen,
abstendo-se de realizar novos contingenciamentos — v. Informativo 796.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 3.9.2015. (ADPF-347)
Sistema carcerário: estado de coisas inconstitucional e violação
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O Ministro Edson Fachin concedeu a cautelar requerida nas
letras: “b”; “g”, em parte, para determinar ao CNJ que coordenasse mutirões
carcerários, de modo a viabilizar a pronta revisão de todos os processos de
execução penal em curso no País que envolvessem a aplicação de pena privativa,
mas afastada a necessidade de adequação aos pedidos contidos nos itens “e” e
“f”; e “h”, em parte, para acolher a determinação do descontingenciamento das
verbas existentes no Funpen, devendo a União providenciar a devida adequação
para o cumprimento desta decisão, fixando o prazo de até 60 dias a contar da
sua publicação. Deixou, porém, de conceder a cautelar em relação aos pleitos
contidos nas letras “a”, “c”, “d”, “e” e “f”, que propôs fossem analisadas por
ocasião do julgamento do mérito da ação. Já o Ministro Roberto Barroso concedeu
a medida cautelar requerida nas letras: “b”; “g”, estendendo, contudo, a
condução dos mutirões carcerários aos tribunais de justiça estaduais; “h”; e,
por fim, concedeu cautelar de ofício para determinar ao Governo Federal que
encaminhasse ao STF, no prazo de um ano, diagnóstico da situação do sistema
penitenciário e propostas de solução dos problemas, em harmonia com os
Estados-Membros. Quanto à medida acauteladora de ofício, foi acompanhado pelo
Ministro Marco Aurélio (relator). Ressaltou que as medidas cautelares que não
deferiu — sobretudo, as mencionadas nas letras “a”, “d” e “e” — não
significaria propriamente a negativa do fundamento que elas trariam em si, e
sim uma concordância com os pedidos, porém na firme convicção que eles já
decorreriam do sistema jurídico. O Ministro Teori Zavascki concedeu a medida
cautelar requerida nas letras: “b”, determinando que o prazo para a realização
das audiências de custódia fosse regulamentado pelo CNJ, e “h”. Indeferiu-a
relativamente às letras “a”, “c”, “d”, “e” e “f”, porquanto se trataria de
medidas que já comporiam o sistema normativo e haveria mecanismos próprios de
correção, quais sejam, os recursos ordinários. Julgou prejudicada a cautelar
requerida na letra “g”. Em seguida, o julgamento foi suspenso.
ADPF 347 MC/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 3.9.2015. (ADPF-347)