domingo, 20 de setembro de 2015

Porte de droga para consumo pessoal e criminalização

A partir de hoje vou postar as decisões do STF sobre o Recurso Extraordinário nº: 635659, que trata do porte de droga para consumo pessoal e criminalização, especificamente em relação ao art. 28 da Lei 11.343/2006, que assim estabelece: 

"Art. 28.  Quem adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar será submetido às seguintes penas:
I - advertência sobre os efeitos das drogas;
II - prestação de serviços à comunidade;
III - medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo.
§ 1o  Às mesmas medidas submete-se quem, para seu consumo pessoal, semeia, cultiva ou colhe plantas destinadas à preparação de pequena quantidade de substância ou produto capaz de causar dependência física ou psíquica.
§ 2o  Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente.
§ 3o  As penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 5 (cinco) meses.
§ 4o  Em caso de reincidência, as penas previstas nos incisos II e III do caput deste artigo serão aplicadas pelo prazo máximo de 10 (dez) meses.
§ 5o  A prestação de serviços à comunidade será cumprida em programas comunitários, entidades educacionais ou assistenciais, hospitais, estabelecimentos congêneres, públicos ou privados sem fins lucrativos, que se ocupem, preferencialmente, da prevenção do consumo ou da recuperação de usuários e dependentes de drogas.
§ 6o  Para garantia do cumprimento das medidas educativas a que se refere o caput, nos incisos I, II e III, a que injustificadamente se recuse o agente, poderá o juiz submetê-lo, sucessivamente a:
I - admoestação verbal;
II - multa.
§ 7o  O juiz determinará ao Poder Público que coloque à disposição do infrator, gratuitamente, estabelecimento de saúde, preferencialmente ambulatorial, para tratamento especializado."

É um julgamento importante para a sociedade, em virtude do aumento do consumo de drogas x tráfico. 

É imperativo demonstrar qual a relação, quais as responsabilidades do poderes, qual é a substância que deve ser considerada para uso próprio, qual a diferença: quantidade, local? Perguntas que o STF terá que enfrentar e está enfrentando como se observa no informativo abaixo, para diferenciar usuário de tráfico.

Segue abaixo a primeira parte.

ANA LÚCIA DE OLIVEIRA
Advogada

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O Plenário retomou julgamento de recurso extraordinário em que se discute a constitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, que tipifica a conduta de porte de droga para consumo pessoal — v. Informativo 795. Em voto-vista, o Ministro Edson Fachin deu parcial provimento ao recurso para: a) declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, sem redução de texto, especificamente para situação que, como no caso concreto, apresentasse conduta que, descrita no tipo legal, tivesse exclusivamente como objeto material a maconha; b) manter, nos termos da atual legislação e seu regulamento, a proibição, inclusive do uso e do porte para consumo pessoal, de todas as demais drogas ilícitas; c) manter a tipificação criminal das condutas relacionadas à produção e à comercialização da droga objeto do recurso e, concomitantemente, declarar a inconstitucionalidade progressiva dessa tipificação, ou seja, das condutas relacionadas à produção e à comercialização de maconha, até que sobreviesse a devida regulamentação legislativa, permanecendo, nesse ínterim, hígidas as tipificações constantes do Título IV, especialmente criminais, do art. 33, e dispositivos conexos da lei em questão; d) declarar como atribuição legislativa o estabelecimento de quantidades mínimas que servissem de parâmetro para diferenciar usuário e traficante, e determinar aos órgãos do Poder Executivo — Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas - SENAD e Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP —, aos quais incumbe a elaboração e a execução de políticas públicas sobre drogas, que exercessem suas competências e, até que sobreviesse a legislação específica, emitissem, no prazo máximo de 90 dias, a contar da data do julgamento em comento, provisórios parâmetros diferenciadores indicativos para serem considerados, “iuris tantum”, na situação dos autos; e) absolver o recorrente por atipicidade da conduta, nos termos do art. 386, III, do CPP; e, por fim, f) propor ao Plenário, nos termos do inciso V do art. 7° do RISTF, a criação de um Observatório Judicial sobre Drogas na forma de comissão temporária, a ser designada pelo Presidente do STF, para o fim de, à luz do inciso III do art. 30 do RISTF, acompanhar os efeitos da deliberação do Tribunal nesse caso, especialmente em relação à diferenciação entre usuário e traficante, e à necessária regulamentação, bem como auscultar instituições, estudiosos, pesquisadores, cientistas, médicos, psiquiatras, psicólogos, comunidades terapêuticas, representantes de órgãos governamentais, membros de comunidades tradicionais, entidades de todas as crenças, entre outros, e apresentar relato na forma de subsídio e sistematização. O Ministro ressaltou que o recurso extraordinário sob enfoque desafiaria acórdão que tratara de hipótese específica, a de porte de maconha para uso pessoal. A análise de um recurso extraordinário sob a sistemática da repercussão geral possibilitaria ao STF extrapolar os limites do pedido formulado para firmar tese acerca de tema que, para além dos interesses subjetivos da demanda, fosse de inegável relevância jurídica, social, política ou econômica. Não obstante, quando se estivesse diante de um tema de natureza penal, seria prudente judiciosa auto-contenção da Corte, pois a atuação fora dos limites circunstanciais do caso poderia conduzir a intervenções judiciais desproporcionais, fosse sob o ponto de vista do regime das liberdades, fosse sob o ponto de vista da proteção social insuficiente.
 RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015.  (RE-635659)

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O Ministro Edson Fachin asseverou que, assim sendo, em virtude da complexidade inerente ao problema jurídico sob a análise do STF no recurso, seria necessária a estrita observância das balizas fáticas e jurídicas do caso concreto para a atuação da Corte em seara tão sensível: a definição sobre a constitucionalidade, ou não, da criminalização do porte unicamente de maconha para uso próprio em face de direitos fundamentais como a liberdade, autonomia e privacidade. Destacou, relativamente ao questionamento objeto do recurso, ser cabível a resposta da informação, educação, atenção e cuidado da saúde dos usuários de drogas, e não a criminalização. Seria indispensável, assim, a atuação do Poder Público, da sociedade, das famílias em sua dimensão expandida, das entidades religiosas e de benemerência, no incremento das redes de atenção e cuidado à saúde das pessoas que abusassem de substâncias que causassem dependência, e especialmente no campo da prevenção e proteção de crianças e adolescentes. A distinção entre usuário e traficante, entretanto, atravessaria a necessária diferenciação entre tráfico e uso, e exigiria, inevitavelmente, que se adotassem parâmetros objetivos de quantidade que caracterizassem o uso de droga. Não se inseriria na atribuição do Poder Judiciário, entretanto, a definição dessas balizas. Se o legislador já editara lei para tipificar como crime o tráfico de drogas, competiria ao Poder Legislativo o exercício de suas atribuições, no qual definisse, assim, os parâmetros objetivos de natureza e quantidade de droga que deveriam ser levados em conta para diferenciação entre uso e tráfico de drogas. Desse modo, seria responsabilidade, de um lado, do Poder Legislativo a fixação de tais parâmetros, e de outro, a respectiva regulamentação e execução por parte dos referidos órgãos do Poder Executivo. Até que isso se desse, e mesmo após, a adoção imperativa da audiência de apresentação em até 24 horas, poderia extirpar, perante o juiz, qualquer desvio prático no emprego desse critério, especialmente diante do tráfico. Enquanto não houvesse pronunciamento do Poder Legislativo sobre tais parâmetros, seria mandatório, portanto, reconhecer a necessidade do preenchimento dessa lacuna por meio do SENAD e do CNPCP, até que sobreviesse definição legislativa, que os regulamentassem, na condição “rebus sic stantibus”.
 RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015.  (RE-635659)

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O Ministro Roberto Barroso proveu o recurso extraordinário para declarar a inconstitucionalidade do art. 28 da Lei 11.343/2006, relativamente ao porte de maconha para consumo próprio, e absolveu o recorrente. Porém, não analisou a controvérsia a respeito das demais drogas. Afirmou que o fracasso da política atual criara um imenso mercado negro de drogas controlado pelo crime organizado. Verificou que, nas últimas décadas, sobretudo depois edição da Lei de Tóxico, o consumo de drogas aumentara, ao passo que, no mesmo período de tempo, o de cigarro diminuíra. Observou que a contrapropaganda, o debate público, a informação e a advertência produziriam melhores resultados do que a criminalização. Notou que a política de criminalização e de repressão ao consumo de drogas em geral e de maconha, em particular, geraria um alto custo para a sociedade, especialmente pelo aumento exponencial da população carcerária. Além disso, o custo financeiro de cada vaga no sistema penitenciário seria muito caro. Salientou que os presos entrariam primários e sairiam cooptados por facções. Dessa forma, tornar-se-iam criminosos perigosos que voltariam para as ruas e retroalimentariam a violência. Ressaltou que, a despeito de a defesa da criminalização invocar a saúde pública como bem jurídico protegido, essa política consumiria cada vez mais recursos que, evidentemente, não iriam para tratamento, educação e saúde preventiva. Ademais, o usuário não procuraria o sistema de saúde pública, porque isso significaria assumir a condição de criminoso. Portanto, a criminalização não protegeria, mas antes comprometeria a saúde pública. Destacou que o direito à privacidade identificaria uma esfera na vida das pessoas que deveria ser imune à interferência do Estado, sobretudo quando o que se fizesse na intimidade não afetasse a esfera jurídica de terceiros. Por essa razão, o Estado não poderia invadir a esfera da autonomia individual. Assim, um indivíduo que fumasse um cigarro de maconha dentro do seu domicílio ou num espaço puramente privado não violaria direitos de terceiros, nem qualquer valor social, ou mesmo a saúde pública. Mas, se fumar maconha pudesse ser criminalizado em nome da saúde pública, então, se deveria criminalizar antes o álcool e o próprio cigarro convencional. Portanto, seria inequívoca a afronta à autonomia individual representada pela punição de quem portasse maconha para uso pessoal dentro da sua esfera privada.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015.  (RE-635659)

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O Ministro Roberto Barroso asseverou que a criminalização não passaria no teste da proporcionalidade nas modalidades: adequação da restrição, necessidade da restrição e a chamada proporcionalidade em sentido estrito. A criminalização não conseguira produzir resultado quantitativamente relevante no consumo, sobretudo, porque causara impacto negativo à saúde pública. Consignou que seria necessária a adoção de critério objetivo para distinguir o consumo pessoal do tráfico. Explicou que essa prerrogativa seria do Poder Legislativo. Entretanto, seria possível ao STF o estabelecimento de critério, ainda que provisoriamente, até posterior atuação do Parlamento. Propôs que quem portasse até 25 g de maconha não fosse considerado traficante. Todavia, isso não impediria que o juiz do caso concreto reputasse que alguém com quantidade maior a estivesse portando para consumo pessoal, nem que alguém com 25 g a estivesse portando para tráfico. Mas, nessa situação, o juiz teria que superar essa presunção, e, portanto, o ônus argumentativo tornar-se-ia mais árduo para o magistrado. Também não seria considerado traficante quem tivesse até seis plantas fêmeas como produção para consumo pessoal. O Ministro Gilmar Mendes (relator), ao reafirmar o seu voto, declarou a inconstitucionalidade, sem redução de texto, do art. 28 da Lei 11.343/2006, de forma a afastar do referido dispositivo todo e qualquer efeito de natureza penal. Todavia, manteve, até o advento da legislação específica, as medidas ali previstas com natureza administrativa. Em seguida, pediu vista o Ministro Teori Zavascki.
RE 635659/SP, rel. Min. Gilmar Mendes, 10.9.2015.  (RE-635659)

Fonte: Informativo do STF - Brasília, 7 a 11 de setembro de 2015 Nº 798
Data de divulgação: 17 de setembro de 2015