Esta notícia foi enviada pela Denise Martins, psicóloga e representante do movimento da pessoa com deficiência. Ah, e mãe da MARIANA.
Para as pessoas preconceituosas que não acreditam que pessoas com deficiência podem sim realizar o sonho da maternidade. como qualquer pessoa, importante que leiam a reportagem abaixo, mas entendo perfeitamente a falta de interesse pela leitura, pois pode ser o preconceito que não queira. Detalhe: o garoto é um garoto, ou seja, tem uma infância como qualquer criança de sua idade. Algum problema?
Após uma palestra na posse da Comissão de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência na OAB/Uberlândia, conheci a advogada Cristina Souza, que é filha de pais deficientes visuais. Detalhe: ela é advogada. Algum problema?
O preconceito é inadmissível!!!!
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Menino de 5 anos é os olhos dos pais que nasceram cegos
Elverson Cardozo
Pedro Miguel é quem ajuda Jocelino e Eva atravessarem a rua. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Na praça Pantaneira, em Campo Grande,
ao lado da estátua de um tamanduá bandeira, Jocelino Aparecido segura a
mão de Pedro Miguel, que já havia se empoleirado em cima da réplica do
bicho, e pergunta:
- Cadê a cabeça dele?
- Está aqui, respondeu o menino, guiando-o à parte inferior da escultura.
- Tem a cabeça baixa, né?
- É que ele está pegando formigas, respondeu o garoto.
- Humm... Agora me leva para tirar foto em outro lugar.
Após
alguns passos, Pedro pára em frente à outra obra construída na mesma
praça, resolve subir em cima dela e, guiando Jocelino, avisa:
- Olha o jacaré!
- É a orelha dele?, questionou o pai, ao tocar no objeto.
- Não. É o olho.
O
diálogo inocente, entre pai e filho, deixa em evidência a principal
diferença entre eles: a visão. Desde que nasceu, há 5 anos, Pedro Miguel
Ortiz, se tornou os olhos dos pais, que são cegos.
Mãe do garoto,
a pedagoga Eva Aparecida Ortiz, de 40 anos, nunca enxergou por conta da
catarata congenita. Já o pai, o auxiliar de radiologia Jocelino
Aparecido Martins, de 41 anos, perdeu a visão em decorrência de uma
atrofia no nervo óptico.
A vida, para eles, sempre foi decidida no
tato, olfato, audição e paladar. Com o nascimento de Pedro, após 7 anos
de tentativas, o 5º sentido não voltou, mas a rotina mudou bastante,
não pela limitação física, mas pelos cuidados que toda criança requer.
Para
quem enxerga, explicou Eva Aparecida, é praticamente impossível
acreditar que um casal de cegos possa ter filhos, mas a maternidade,
para ela, foi algo natural.
Em cima da escultura, Pedro explica ao pai que o tamanduá está comendo formigas. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Pedro Miguel e os pais na entrada da praça Pantaneira. (Foto: Rodrigo Pazinato)
“Já
tinha feito aulas de AVD [Atividades da Vida Diária]”, disse,
acrescentando que o curso, ministrado no Ismac (Instituto
Sul-Mato-Grossense para Cegos Florisvaldo Vargas), ajudou na lida com o
filho recém-nascido.
Para cuidar de Pedro Miguel, os “truques”
foram indispensáveis. São dicas que vão desde os cuidados com a higiene à
aplicação dosagens de medicamentos.
“A gente aprende alguns
segredinhos. Para saber se a fralda está com xixi eu apertava. Quando o
choro era intenso eu percebia que era de dor, mas isso é com todo bebê.
Para dar remédios a gente pinga no copo para ouvir o barulho”,
exemplificou.
Jocelino concorda com a esposa e diz, sem medo de
errar, que a paternidade, para ele, também foi um processo natural. O
máximo que precisou foi da ajuda da sogra, apenas por alguns dias, como
acontece com a maioria dos casais.
Hoje, o auxiliar de radiologia e
a esposa cuidam sozinhos de Pedro Miguel. O menino, que estuda em uma
escola particular no centro Campo Grande, sabe que os pais não enxergam,
mas a deficiência se tornou apenas um detalhe, que não atrapalha em
nada o relacionamento familiar. Um detalhe que ele sempre está
explicando aos coleguinhas.
“Alguns falam assim: ‘como eles tomam banho?’ Eu falei: ‘Eles sabem’. ‘Mas e como eles se ensaboam’? ‘Ah... Isso eu não sei’”, contou.
As
travessuras do menino, que vive mostrando a língua e fazendo caretas
para quem encontra na rua, tiram os pais do sério, mas ao mesmo tempo
acabam aguçando a curiosidade deles, que nunca viram a luz do sol.
“Eu
percebi, depois que tive ele, que o visual conta muito. Nas ruas ele
contagia as pessoas. O verdadeiro contato visual eu fui ter com ele.
Fiquei fascinada. Meu Deus! Essa visão é muito importante”, disse a mãe.
Pedro
Miguel, aos 5 anos, é quem guia a pedagoga e o auxiliar de radiologia
por todos os cantos da cidade. Quando sobe no ônibus e vê alguém
sentando nos bancos reservados, trata logo de dizer que os lugares são
de Eva e Jocenildo.
Na hora de atravessar a rua, o menino, mesmo levado, presta atenção no movimento dos carros.
Não foi preciso dizer muita coisa para que ele entendesse que os pais
eram deficientes visuais, mas nem por isso Pedro arrisca desobedecer as
ordens dos dois.
“Às vezes ele pergunta: a senhora vê? ‘Não, eu não vejo, mas os meus olhos estão nos ouvidos, nas mãos”, comentou a mãe.
A mãe, Eva Aparecida Ortiz, está sempre chamando a atenção do garoto, que é muito sapeca. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Apesar
da disciplina rígida, comum entre pais cegos, Jocenildo e Eva tomam
cuidado para não sobrecarregar o garoto. Antes, se caia alguma coisa em
casa, era ele quem pegava. Hoje, isso já não acontece.
“Não quero que nossa deficiência seja um fardo para ele”, justificou Eva, ao comentar que a sociedade cobra mais de pais cegos.
Jocenildo
e esposa nunca viram o rosto do filho, mas imaginam, pelo contato, como
é o garoto. “Eu imagino que ele não é tão gordo e tem o rosto
semelhante ao meu, mas é mais moreno. Ele é muito fofo, bochechudinho”,
descreveu a pedagoga.
Jocenildo, que é mais calado, também imagina
que Pedro Miguel não seja “tão gordo”, mas é cheinho. “Ele ta ficando
bem altinho. O cabelo e liso porque eu sempre toco”, disse.
Para
Eva, a gestação foi um sonho realizado. Para Jocenildo, o nascimento do
único filho representa uma conquista. “Ele preenche o vazio que a gente
tinha”, disse.