sábado, 22 de dezembro de 2012

Um Amazonas de diversidade, democracia e participação pelos direitos das pessoas com deficiência


Artigo publicado pelo observador internacional, Louis Fernando Astorga Gatjens presente da III Conferência Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, que ocorreu em Brasília, nos dias 03 a 06 de dezembro de 2012.
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Louis Fernando Astorga Gatjens - Diretor Executivo do Instituto Interamericano sobre Deficiência e Desenvolvimento Inclusivo (IIDI) / convidado como observador internacional da Terceira Conferência
Tradução: Fernando De Campos Ribeiro

Eu tive o privilégio de assistir à culminação de um belo processo no qual cerca de mil homens e mulheres de todo o Brasil analisaram, discutiram e definiram as melhores formas de avançar nos direitos das pessoas com deficiência nos próximos quatro anos.
Entre 3 e 6 de dezembro deste ano, no Centro de Convenções Brasil 21, localizado numa Brasília sempre surpreendente, foi realizada a Terceira Conferência Nacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência.
Como se fosse o vasto delta do Amazonas, esta conferência reuniu as ideias e propostas de todos os seus afluentes, locais e estaduais. Em todos os municípios dos 26 estados e o Distrito Federal que compõem este vasto continente, reverberaram ideias que se traduziram em moções e propostas.
Como destacado no sítio eletrônico (3cndpd.sdh.gov.br) que relata este monumental evento, as conferências municipais e estaduais, fóruns que precederam a Terceira Conferência, alcançaram uma participação recorde, que mobilizou 10.328 pessoas, que estiveram presentes em 371 atividades, entre novembro de 2011 e setembro deste ano.
Reunião para a advocacia política
Como fui informado, a Conferência Nacional reúne em igualdade de condições, de maneira paritária, os delegados provenientes de organizações de pessoas com deficiência e ONGs envolvidas com o tema da deficiência, e representantes de órgãos governamentais diretamente relacionados com os direitos das pessoas com deficiência.
Esta situação transforma cada conferência em um fórum onde a sociedade civil e os agentes públicos governamentais interagem e constroem soluções para os diversos problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência no Brasil.
Ao observar em detalhe este processo, pude verificar que à conferência chegaram 554 propostas, consolidadas em nove áreas temáticas.
Assim, a conferência nacional torna-se um fórum de construção comum de propostas para incidir politicamente sobre as políticas públicas desenvolvidas pelo governo da presidente Dilma Rousseff que se expressam no plano de governo para promoção dos direitos das pessoas com deficiência, intitulado “Viver sem Limite”. Cabe destacar como algo vital para contextualizar esta conferência – em que eu era observador internacional – que os direitos das pessoas com deficiência são um dos três temas priorizados pelo atual governo brasileiro.
A Convenção da ONU como tema central
A terceira conferência teve como tema “Um olhar através da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, da ONU: novas perspectivas e desafios”.
Ao testemunhar vários momentos do conclave: cerimônia de abertura, painéis, grupos de trabalho e plenária de conclusão, pude ver como o tratado internacional tornou-se a bússola e ferramenta de navegação para avançar na implementação dos direitos das pessoas com deficiência.
E não é de admirar, já que, no caso do Brasil, se deve considerar que, pela forma como foi ratificada esta Convenção pelo parlamento bicameral (maioria qualificada de pelo menos três quintos dos membros), ela se tornou parte da Constituição do país. Com isso, as pessoas
com deficiência e seus parceiros, tanto em instituições públicas como na sociedade civil, contam com um poderoso instrumento jurídico para a promoção e desenvolvimento de políticas públicas inclusivas.
Pude observar como em sua fala, na sessão inaugural, a ministra dos Direitos Humanos, Maria do Rosário Nunes, desenhou uma clara perspectiva comprometida com o paradigma social e de direitos humanos, que se afasta das políticas assistencialistas e caritativas, que todavia ainda prevalecem em muitos países latino-americanos, mesmo que eles já tenham ratificado a Convenção.
Igualmente, na rica e extensa conversa que tive com o secretário nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, Antonio José Ferreira, pude constatar que a orientação para a implementação do tratado por meio de políticas públicas, inclusivas e transversais, envolvendo todos os ministérios e áreas de interesse, é uma preocupação tão inteligente quanto sincera. Também notei que essa preocupação e perspectiva é claramente compartilhada por Moisés Bauer, presidente do Conselho Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência (Conade).
Um grande exemplo, boas práticas
No Brasil, vivem 45 milhões de pessoas com deficiência, como evidenciado pelo último censo nacional em 2010. Esse montante é tão grande quanto os problemas enfrentados pelo país nessa área, muitos dos quais foram acumulados ao longo do tempo, com a prevalência da discriminação e exclusão social.
Trata-se de uma dívida social enorme, que requer um tremendo esforço público, conscientização e investimento social. E também tempo. Pensar que os problemas acumulados e a visão depreciativa da deficiência, presentes na sociedade brasileira, possam ser resolvidos em poucos anos, não é realista e pode levar à frustração.
No entanto, pelo que pude ver nesta terceira conferência, concluo que o Brasil está seguindo um roteiro tão necessário como correto. Esta conferência, que mobilizou mais de duas mil pessoas entre delegados, convidados, assistentes pessoais e várias equipes de apoio, constitui um exemplo notável de promoção efetiva da participação dos atores sociais e institucionais, de construção da democracia e de respeito a uma diversidade multicolorida.
Nunca havia visto uma participação como neste fórum brasileiro.
Saúdo – finalmente – o fato notável de que, com este evento significativo, manifesta- se o firme compromisso de um país latino-americano em estabelecer bases estáveis e robustas para atender às aspirações e aos problemas enfrentados pelas pessoas com deficiência em toda a sua extensa geografia. Eu só espero que essas bases se tornem irreversíveis e que as propostas aprovadas pela Terceira Conferência se convertam, passo a passo, em uma melhoria efetiva das condições de vida das pessoas com deficiência.
Só o fato de realizar um evento desta dimensão e natureza constitui uma boa prática, digna de ser imitada por outros países. E se dele derivam avanços constantes, não só podemos falar de uma melhor prática, mas podemos proclamar que, em matéria de direitos das pessoas com deficiência, o norte está a emergir no sul.
San Jose, Costa Rica,
08 de dezembro de 2012.

Fonte: Boletim Pauta Inclusiva
n.º 06  |  DEZ  |  2012