1. INTRODUÇÃO
No que tange à história, o princípio de toda a problemática
em pauta, a análise da periodização histórica é essencial para
compreender o papel desempenhado pela mulher durante séculos. Durante a
Idade Média, por exemplo, a fêmea era venerada, devido ao poder gerador
da vida, a relação de fecundidade e fertilidade, que eram associadas às
divindades femininas e aos rios. Por outro lado, é neste período que se
tem relatos de um dos Códigos mais repressivos com as mulheres: o Código
de Manu, na Índia, que submetia a mulher à condição de serva do seu
marido; além disso, durante a infância, a mulher estaria sob guarda do
pai; na juventude, do marido; e na velhice, dos filhos. Na Grécia Antiga
e na Roma, assim como no Direito Hinduísta, as leis registravam a
supremacia dos homens sobre as mulheres. Com relação à religião, na
medida em que o celibato se tornou uma exigência importante da
organização hierárquica da igreja, nota-se que a desvalorização da
mulher tem por vista a manutenção da ordem eclesiástica; a grande
justificativa para tal episódio constitui no fato de que Eva foi a
grande pecadora.
Indubitavelmente, os papeis assumidos pelas mulheres ao
longo da história foram inúmeros, mas com o advento da Revolução
Industrial – um conjunto de mudanças sociais, tecnológicas, econômicas e
científicas – durante o século XVIII, que as mulheres têm o primeiro e
mais importante contato com o mundo afora: o mercado de trabalho.
Apesar de não ser a melhor função desempenhada pelas mulheres nas
fábricas, devido ao fato de ser um trabalho alienado e exaustivo, que
não permite capacidade de liberdade e ascensão, é inquestionável que
este foi um marco histórico-social, pois a partir deste acontecimento as
reivindicações por melhores condições de trabalho, acesso à cultura e
igualdade entre os sexos tomaram grandes proporções – apesar de não
serem atingidas. Ainda nesse período, um grande acontecimento marcou
afinco a história, o dia 8/3/1857, em Nova Iorque, quando 130
trabalhadoras de uma fábrica de tecidos foram às ruas para protestar por
condições dignas de trabalho; fim de uma jornada de exaustiva, que na
época era mais de 12 horas em ambientes insalubres. As manifestantes
foram fortemente reprimidas pela polícia e trancadas na fábrica, onde
então, todas morreram carbonizadas. O dia 8 de março começou a ser
comemorado somente em 1910, com o principal objetivo de lembrar as
conquistas sociais políticas e econômicas, assim como promover ações
para extinguir a discriminação.
2. MOVIMENTOS FEMINISTAS: DO PRINCÍPIO AOS DIAS ATUAIS
O feminismo tem origem em 1848, em Nova Iorque, durante a
Convenção dos Direitos das Mulheres. O caráter reivindicatório destes
movimentos é devido às grandes revoluções, como por exemplo, a Revolução
Francesa. O lema desta revolução “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”,
de acordo com a visão feminista, deveria ser estendido às mulheres, uma
vez que somente os cidadãos (homens) eram contemplados com estes. O
feminismo é, sobretudo, um movimento político e intelectual que busca
desvincular a ideia de diferença entre os sexos, proporcionando assim
maior atividade política e social à mulher. Este tipo de reivindicação,
ganha força, principalmente após a Revolução Industrial, quando as
mulheres ocuparam postos de trabalho e passaram a exigir melhores
condições para desenvolver suas atividades, uma vez que eram
superexploradas, dentro e fora de casa, mantendo assim uma dupla
jornada.
Durante a década de 60, a filósofa francesa existencialista
Simone de Beauvoir publicou uma importante obra norteadora dos
movimentos feministas: “O segundo sexo”; a partir de uma reflexão sobre
mitos e fatos da situação da mulher, Simone chega à conclusão de que a
hierarquização dos sexos é uma questão social e não biológica, como
muitos acreditavam ser. “Para descobrir a mulher, não recusaremos certas
contribuições da biologia, da psicanálise, do materialismo histórico,
mas consideraremos que o corpo, a vida sexual, as técnicas só existem
concretamente para o homem na medida em que ele apreende dentro da
perspectiva global de sua existência. O valor da força muscular, do
falo, da ferramenta só se poderia definir num mundo de valores: é
comandado pelo projeto fundamental do existente transcendendo-se para o
ser.”
[1]
Seguindo a mesma perspectiva de Simone, a escritora ucraniana, que
viveu, porém, grande parte de sua vida no Brasil, Clarice Lispector,
aborda o mesmo assunto que a francesa, em um texto de sua autoria
intitulado “Deve a mulher trabalhar?” A partir deste, Lispector
problematiza o destino biológico e a inserção da mulher no mercado de
trabalho.
No Brasil, o movimento tomou forma entre o fim do século
XVIII e início do XIX, quando as mulheres brasileiras começaram a se
organizar e conquistar espaço na área da educação e do trabalho. Durante
a década de 30, as mudanças ocorridas foram essencialmente no campo
político, como por exemplo, o direito ao voto e a regulamentação do
trabalho feminino. Porém, em 1937, durante o Estado Novo - período mais
repressivo da Era Vargas - o movimento feminista perde força, somente no
final da década seguinte que as mulheres retornam às ruas com a criação
da Federação das Mulheres do Brasil. Apesar disso, logo mais inicia um
dos períodos mais tensos da história brasileira: a ditadura militar. Com
o golpe de 1964, todas as organizações femininas que lutavam por
direitos sociais foram fechadas. O retorno dos movimentos foi
concomitante à abertura política, em 1975.
Na atualidade, há um crescente número de protestos feitos ao
redor do mundo, que se iniciam por inúmeros motivos: exploração sexual,
defesa do aborto, violência doméstica, desigualdades das questões
sociais, além das causas políticas. Denominada por “Marcha das Vadias”, o
movimento surgiu no Canadá, em 2011, após vários casos de abuso sexual.
Interessante observar, que as ativistas as quais lutam por esta causa,
vão às ruas com os seios descobertos, ou então, nuas. As opiniões sobre a
forma de como o protesto é feito divergem: há os que apoiam, e os que
são contra esta ideia. Estas ativistas acreditam que os protestos feitos
com vestimentas não chamam a atenção da mídia e do público em geral: é a
justificativa para protestar nua. Entretanto, estas mulheres
submetem-se a um desrespeito com elas mesmo, uma vez que a atenção que
deveria ser dada à causa social defendida é desviada, pois a erotização e
a provocação sexual estão em primeiro plano, visto ser uma atitude
exibicionista e não de cunho reivindicatório, como deveria ser. Na
realidade, a mulher demonstra um pensamento machista, por achar que o
seu corpo é a única ferramenta existente para ser ouvida; em suma:
colocar corpos à mostra é esconder aquilo que estão lutando.
3. A MULHER E A CONSTITUIÇÃO: DA CARTA MAGNA IMPERIAL ATÉ A REPUBLICANA DE 1988
A Constituição Federal – lei máxima do Direito que ocupa o
topo da pirâmide normativa – nem sempre concedeu às mulheres a ampla
liberdade que lhes é dada atualmente. No âmbito brasileiro, a nossa
primeira constituição foi durante o período Imperial, em 1824. O
imperador Dom Pedro II criou o Poder Moderador, que estava acima do
executivo, legislativo e judiciário; durante esta época, as mulheres e
os escravos não eram considerados cidadãos, sendo estes, portanto,
excluídos da vida pública e civil brasileira. Mais tarde, durante o
período republicano, é promulgada a segunda constituição brasileira: a
de 1891, que vigorou durante toda a República Velha (1889-1930); esta
constituição descentralizou o poder, concedendo grande liberdade aos
municípios e estados (antigas províncias). O grande avanço foi o direito
ao voto, entretanto, as mulheres, analfabetos, religiosos, soldados e
mendigos estavam excluídos do processo, podendo votar somente homens
maiores de 21 anos. Em 1927, a Constituição Estadual do Rio Grande do
Norte concede às mulheres o direito ao voto e a ser votada; sendo que em
âmbito federal, isto somente ocorreu em 1932, com o presidente Getúlio
Vargas.
Em 1934, foi publicada pela Assembleia Nacional
Constituinte, uma nova Constituição. Apesar de permanecer somente 3 anos
em vigor, esta Constituição marcou a história brasileira pela
introdução de uma nova ordem econômica e social no país, as quais
refletem as mudanças sociais ocorridas na época. Esta nova Carta Magna
trazia direitos inéditos aos trabalhadores: salário mínimo, férias
remuneradas, proibição do trabalho infantil, jornada de 8 horas diárias,
descanso semanal, além de criar a Justiça do Trabalho. Ela ainda trazia
o voto secreto e o sufrágio feminino, já previsto no Código Eleitoral,
de 1932. Entretanto, infelizmente, a conquista do voto não significou
uma mudança substancial nos valores sociais então vigentes, uma vez que
as mulheres da época continuaram submetidas a uma estrutura patriarcal
conservadora e a um modelo de cidadania que privilegiava a imagem
pública como espaço masculino. Durante o Estado Novo – período de regime
fascista, que durou até o final da Segunda Guerra mundial – o
presidente outorgou uma constituição, popularmente chamada de Polaca,
por se inspirar na Constituição extremamente autoritária da Polônia. A
principal característica dessa Carta Magna era o caráter essencialmente
centralizador, ou seja, os poderes estavam concentrados nas mãos do
executivo. Nesta época, nenhum avanço com relação aos direitos sociais
para ambos os sexos podem ser observados, devido ao caráter totalitário e
autoritário do texto redigido.
Com o presidente Eurico Gaspar Dutra, as liberdades que
haviam então sido consagradas com a Constituição de 1934, mas foram
retiradas em 1937, voltaram a vigorar no território brasileiro; a
igualdade de todos os cidadãos perante a lei era a base da Constituição.
Com relação às mulheres, estas se empenharem em lutar pela modificação
do Código Civil de 1916, o resultado, entretanto, veio somente em 1962
com o Estatuto da Mulher Casada. Por sua vez, em 1964, os militares
assumiram o poder através de um golpe de estado, dando início a ditadura
militar. Já nos primeiros anos de ditadura, foram decretados inúmeros
Atos Institucionais que concediam inúmeros poderes ao presidente, além
de suspender as garantias constitucionais dos cidadãos. Em 1967, foi
promulgada uma nova Constituição que institucionalizou o poder militar,
concedendo ao executivo poder soberano, sendo então considerada o órgão
máximo da antidemocracia. Durante o período repressivo, a Europa vivia o
auge do movimento feminista, mas no Brasil, todas as organizações
femininas que lutavam por seus direitos sociais foram fechadas. Algumas
mulheres apenas se organizavam para militar por causas políticas,
exigindo o fim da ditadura militar.
Foi durante o governo de José Sarney (1986-1989) que foi
promulgada a nossa atual Carta Magna: a Constituição de 1988. Esta tem
como principal objetivo assegurar as garantias constitucionais e
fundamentais aos cidadãos, permitindo a participação do poder judiciário
caso ocorra alguma ameaça a lesão de direitos. Em relação às
constituições anteriores, a atual demonstra um avanço significativo,
como por exemplo, quando concede direito a voto para analfabetos;
direito a greve; o racismo é considerado crime inafiançável; fim da
censura; seguro desemprego; liberdade sindical, dentre outros
progressos. O princípio norteador do texto está expresso no artigo 5°, o
qual trata dos Direitos e Garantias Fundamentais, que iguala os sexos,
assegurando então, o fim da discriminação feminina, de acordo com o
trecho:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade (...)” Apesar de isso estar expresso de
maneira clara e concisa, sabe-se que na realidade a cultura da nossa
sociedade extremamente machista não permite que as mulheres sejam
equiparadas aos homens: o preconceito, lamentavelmente, está intrínseco
no ser humano.
4. A EVOLUÇÃO JURÍDICA NO ÂMBITO CIVIL, TRABALHISTA E PENAL
O primeiro marco para romper com a soberania masculina foi
em 1962, através do Estatuto da Mulher Casada, que concedeu plena
capacidade à mulher como uma colaboradora da vida conjugal. Cabe
ressaltar que as mudanças no Código Civil não foram de maneira abrupta;
as mulheres conquistaram seus direitos de maneira vagarosa. As
principais modificações no Código Civil são no que diz respeito ao
casamento. Ele determina que mulheres e homens são iguais para
determinar e resolver todas as questões familiares e que o sustento da
família cabe ao casal, e não apenas ao homem. Além disso, o homem pode
acrescentar o sobrenome da mulher, o que antes não era permitido. Em
1977, introduziu-se a Lei do Divórcio dando aos cônjuges a oportunidade
de por fim ao casamento e constituir nova família.
Com relação ao trabalho, após a Segunda Guerra Mundial -
quando as fábricas necessitaram de mulheres, já que os homens estavam
nos campos de batalha - houve uma crescente manifestação para a inserção
da mulher no mercado de trabalho. No Brasil, a principal contribuição
foi a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) que concedeu às mulheres
amplos direitos, como por exemplo, a proteção à maternidade, garantia de
emprego à mulher grávida, licença gestante/maternidade, e alguns
benefícios para a mulher trabalhadora portadora do vírus HIV. Direitos
estes que foram conquistados através de muita luta, pois desde a
infância, está enraizado na nossa cultura que a mulher deve dedicar-se
ao lar, enquanto o homem vai às ruas. A primeira reivindicação de
qualquer mulher que se deseja tornar independente e romper os laços
patriarcais, é sem dúvidas, a do trabalho; sem trabalho, e sem
possibilidade de amadurecimento, a mulher reduz-se à função reprodutora e
de “mulher do lar”. Como já bem dizia Simone de Beauvoir:
“É pelo
trabalho que a mulher vem diminuindo a distância que a separava do
homem, somente o trabalho poderá garantir-lhe uma independência
concreta.”.
Por sua vez, no âmbito criminal, em 2006 o Código penal
sofreu uma indispensável alteração: a Lei Maria da Penha, que tem por
objetivo proteger as mulheres contra a violência doméstica.
Anteriormente, os réus eram obrigados a pagarem cesta básica ou
prestarem serviços à comunidade, o que denotava uma banalização da
violência: o agressor ficava impune, e a agredida tinha medo e
desinteresse em denunciá-lo, já prevendo a punição leve. Por isso, em
homenagem à farmacêutica bioquímica que ficou paraplégica por causa de
um tiro nas costas dado por seu marido, e que tomou a iniciativa de
denunciá-lo após várias tentativas de homicídio, que a lei possui este
nome. A lei Maria da Penha alterou o Código Penal Brasileiro e
possibilitou que agressores de mulheres no âmbito doméstico ou familiar
sejam presos em flagrante ou tenham sua prisão preventiva decretada,
caso ocorra riscos de a mulher ser agredida novamente. A norma também
pronuncia que não há mais a opção de os agressores cumprirem a pena
somente com cestas básicas ou multas. A pena é de três meses a três anos
de prisão e pode ser aumentada se a violência for cometida contra
mulheres com deficiência. Além disso, a vítima é informada sobre todo o
processo que envolve o agressor, especialmente sobre sua prisão e
soltura.
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, ao analisar a trajetória histórica da mulher,
nota-se que a ocupação de espaço significativo na sociedade denota
grande ascensão social em que as mulheres estão submetidas. A mulher já
mostrou competência para atuar em diversas áreas, através da ocupação de
cargos importantes em seus mais diversos campos; entretanto,
infelizmente, a concepção de que o dever dela consiste em cuidar do lar,
ainda está enraizado na sociedade. Uma mudança de cultura, desde o
princípio, em seus valores substanciais demonstra a solução mais
plausível para a equiparação total dos sexos. Por sua vez, o Direito,
instrumento de regulação social, contempla e protege as mulheres; a base
legal é extremamente forte, mas a sociedade não a põe em prática de
maneira efetiva; é um retrocesso aceitar o fato de que ainda existe
desigualdade, principalmente salarial, entre homens e mulheres; o sexo
não deve ser um fator de segregação social. Por fim, o que se pretende
por igualdade é somente respeito mútuo, onde a dignidade humana seja
garantida para o estabelecimento de uma sociedade justa.
6. REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de.
O segundo sexo: fatos e mitos. São Paulo: Círculo do Livro S.A. 325 p.
FIRESTONE, Shulamith.
A dialética do sexo: um manifesto da revolução feminista. Rio de Janeiro: Editoral Labor do Brasil, 1976. 277 p.
STUDART, Heloneida.
Mulher objeto de cama e mesa. 18ª edição. Rio de Janeiro: Editora Vozes Ltda. 1974. 53 p.
LISBOA, Maria Regina Azevedo; MALUF, Sônia Weidner.
Gênero, Cultura e Poder. Florianópolis: Editora Mulheres, 2004. 160
p.
FOCAULT, Michel.
História da sexualidade, 3: o cuidado de si. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1985.
Disponível em: <http://www.ufrgs.br/nucleomulher/direitos.php> Acesso em: 25/06/2012
Disponível em: <
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constitui%C3%A7ao.htm> Acesso em: 25/06/2012
Disponível em: <
http://www.conjur.com.br/> Acesso em: 26/06/2012
Disponível em: <
http://jus.com.br/revista/texto/4642/a-entrada-em-vigor-do-novo-codigo-civil> Acesso em: 27/06/2012
Fonte: http://jusvi.com/artigos/46331