domingo, 29 de abril de 2012

Palavra de presidente


Reportagem extraída do Jornal Estado de Minas.Sérgio Sampaio fala às claras da dificuldade encontrada na entidade em que trabalha, traduzindo a angústia de muitas, que como a Apae são íntegras em seus trabalhos em prol do desenvolvimento social.Excelente reportagem, que destaca a realidade!_________________________________________________________________Administrador da Apae-BH moderniza a gestão da entidade, revela o desejo de torná-la modelo de atendimento social no país e faz duras críticas ao funcionamento das ONGs

Mírian Pinheiro
Publicação: 29/04/2012 04:00
Sérgio Sampaio Bezerra,  presidente da Apae-BH  (Maria Tereza Correia/EM/D.A Press)
Sérgio Sampaio Bezerra, presidente da Apae-BH


érgio Sampaio Bezerra, 44 anos, é presidente da Apae-BH há pouco mais de ano. Um pernambucano que prefere se intitular brasileiro, de tanto que já morou por diversas cidades do país. Toda tarde Sérgio dá expediente na Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae-BH) como voluntário. O sustento vem do trabalho de assessor parlamentar, embora a vida o tenha levado para o caminho da organização social. Formado em economia pela Universidade Federal de Pernambuco e mestre em administração pela Fundação Getulio Vargas do Rio de Janeiro, ele conta que tudo começou quando passou em um concurso público na área de saúde pública no Ministério da Saúde, tornando-se assessor de uma diretora que trabalhava com projetos para grupos específicos, como o das pessoas com deficiência.

Ele acabou se identificando com o tema e resolveu fazer um redirecionamento de carreira, participando de um processo de seleção para secretário-executivo da Federação Nacional das Apaes, da qual foi funcionário por três anos. De lá veio para Minas Gerais ser voluntário na federação de Minas Gerais, até receber o convite para presidir a unidade de BH. Orgulhoso, ele diz que o movimento apaeano mineiro é o carro-chefe do movimento no Brasil, e ambiciosamente afirma que vai transformar a entidade da qual é presidente num modelo de atuação nacional. Minas Gerais possui a maior rede do Brasil: sedia 420 das 2100 unidades existentes no país. O trabalho para implementar serviços de qualidade que possam ser reproduzidos por todas as unidades já começou. “A de BH será a melhor do Brasil!”, garante. Para isso, um novo modelo de governança já está na ordem do dia, a partir da formação de um pacto de gestão entre a federação estadual e a entidade. 

Posicionamento Dono de opiniões firmes e consistentes sobre o terceiro setor, Sérgio é crítico ferrenho das iniciativas que colocam as organizações não governamentais (ONGs) no mesmo nível, desconsiderando a seriedade do trabalho de muitas, como a Apae. A definição de ONG hoje, para ele, é muito ampla, o que não é bom. “Organização social necessariamente tem que ter uma base popular. É diferente uma entidade que surgiu da necessidade de um grupo da população, como a nossa, desejosa de estruturar serviços para atender seus filhos, daquela cuja base popular não existe”, explica.

Na verdade, hoje qualquer pessoa pode fundar uma ONG. As de origem duvidosa estão aí, na mídia, protagonizando seus escândalos. O que vem colocando a credibilidade das entidades sérias numa situação desconfortável. “Somos vítimas de um juízo de valor sem critério, sem separar o joio do trigo”, desabafa. Nesse sentido, o governo prepara o lançamento de um marco regulatório para o setor. Com ele se espera conseguir definir melhor as diretrizes das organizações da sociedade civil. “Na hora que vemos ONGs com uma lógica muito mais privada do que social, isto é um problema. Se ela não tem base popular, sua lógica é individual. Não podemos terceirizar as políticas públicas sociais”, argumenta. O marco, ele diz, só não pode interferir nas ações da sociedade, engessá-las. Na sua visão, cabe ao Estado parcerias e não imposições. “É o mesmo que dizer, ‘olha, financio, mas agora você vai fazer o que quero”, compara.

É claro que uma regulação impositiva pode fazer com que a sociedade perca o direito de se contrapor ao Estado. Pela própria dinâmica de funcionamento, organizações dessa natureza são as que mais fazem prospecções de tecnologias sociais novas – e muito mais facilmente que poder público. O teste do pezinho, que hoje se tornou obrigatório em todas as unidades de saúde do SUS, foi uma tecnologia desenvolvida dentro de uma Apae – um avanço possível graças à independência na gestão e na atuação da entidade. 

Gestão transparente Os recursos da instituição vêm de doações da sociedade – e luta-se muito atrás dessa doações. A unidade de BH, por exemplo, tem parceria com o governo do estado, com a Secretaria Municipal de Saúde com o SUS. Mas cerca de 80% da receita da entidade advém de doações particulares, è uma sociedade entre amigos e pais, com direito a voto, e a eles são prestadas contas. Por força de estatuto, não há um valor predeterminado para as doações, mas na da capital se instituiu um valor mínimo de R$30. A de BeloHorizonte trabalha com pessoas com deficiência intelectual e múltipla, em todo o seu ciclo de vida, desde a estimulação precoce até o processo de envelhecimento. É que, com o envelhecimento populacional, o deficiente intelectual também teve aumentada sua expectativa de vida. São aproximadamente 500 pessoas matriculadas em turnos alternados e cerca de 100 mães assistidas profissionalmente.

Nela há também as figuras do presidente, vice-presidente, diretores financeiros e administrativos. Todos voluntários. Grosso modo, antes de se chegar aos sócios, o presidente presta conta a um conselho fiscal, que analisa e aprova as contas. O conselho de administração as ratifica e a assembleia também, e tudo isso é registado em ata. A transparência é total. Se não for assim, os sócios podem destituir o presidente. Numa lógica contábil, o administrador prevê a receita e fixa as despesas. Mas a Apae e outras ONGs sérias trabalham numa lógica inversa. Têm-se as despesas e há de se correr atrás das receitas para fechar o ano – na maioria das vezes no vermelho.

Segundo Sérgio Sampaio, uma instituição social, fundada por uma empresa, não passa por essas dificuldades financeiras para sobreviver. E, na maioria das vezes, são elas que injustamente tornam-se agentes políticos mais ativos, porque passam a ocupar assentos nos conselhos nacionais de assistência social, estabelecendo políticas de atuação para o setor a partir do modelo delas. O que gera, na visão dele, uma distorção, pois abre uma competitividade injusta no mercado social. “Na hora que se tem um financiamento público, aparecem ONGs de diferentes origens disputando o dinheiro, e algumas nem sempre com boas intenções. Isso acaba excluindo as ONGs sérias que fazem um trabalho de ponta, aonde o estado não chega”, critica.

Para ele, há uma diferença grande entre responsabilidade social e filantropia. “Mais do que financiamento público, precisamos despertar a consciência dos cidadãos sobre o trabalho fundamental das ONGs para o desenvolvimento social. Quanto mais dependentes estamos do dinheiro público, mais perdemos a capacidade de sermos agentes sociais transformadores que fazem a diferença”, defende. Hoje, muitas Apaes vivem um dilema: ou se contrata um profissional de saúde para atender o matriculado ou um burocrata para atender o poder público, de tão rígidos os critérios para obtenção de financiamento público. Para ele, o marco regulatório poderá mudar positivamente os controles para liberação de recursos, expurgando certos procedimentos que não fazem muito sentido, o que facilitaria a gestão das instituições.

Uma maneira justa para distribuir benefícios, na visão de Sampaio, seria garantir isenção de impostos às empresas parceiras. Um decreto recente já parece contemplar a pessoa física, que pode contribuir com ONGs e ter o valor descontado no Imposto de Renda.