Ótimo texto.
Vale a pena ler.
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Caro leitor,
O texto abaixo foi escrito pela pesquisadora Maria Aparecida Gugel*.
O texto abaixo foi escrito pela pesquisadora Maria Aparecida Gugel*.
Os estudos sobre o direito das
pessoas com deficiência não estão dissociados dos fatos históricos, reveladores
que são da evolução da sociedade e da conseqüente edição de suas leis. Por
isso, antes da apresentação dos direitos da pessoa com deficiência, faremos uma
brevíssima incursão histórica para melhor compreender esse indivíduo no cenário
histórico da nossa civilização.
A vida primitiva do homem
Não se têm indícios de como os
primeiros grupos de humanos na Terra se comportavam em relação às pessoas com
deficiência. Tudo indica que essas pessoas não sobreviviam ao ambiente hostil
da Terra. Basta lembrar que não havia abrigo satisfatório para dias e noites de
frio intenso e calor insuportável; não havia comida em abundância, era preciso
ir à caça para garantir o alimento diário e, ao mesmo tempo, guardá-lo para o
longo inverno.
Não se plantava para o
sustento. A caça para a obtenção de alimentos e pele de animais para se aquecer
e a colheita de frutos, folhas e raízes garantia o sustento das pessoas. Há mais
ou menos dez mil anos quando as condições físicas e de climas na Terra ficaram
mais amenas, os grupos começaram a se organizar para ir à caça e garantir o
sustento de todos. Na Pré-História a inteligência do homem começou a se
manifestar e os integrantes do grupo passaram a perceber melhor o ambiente onde
viviam, começando a adorar o sol, a lua e os animais.
As tribos se formaram e com
elas a preocupação em manter a segurança e a saúde dos integrantes do grupo
para a sobrevivência. Os estudiosos concluem que a sobrevivência de uma pessoa
com deficiência nos grupos primitivos de humanos era impossível porque o
ambiente era muito desfavorável e porque essas pessoas representavam um fardo
para o grupo. Só os mais fortes sobreviviam e era inclusive muito comum que
certas tribos se desfizessem das crianças com deficiência.
No Egito Antigo
Evidências arqueológicas nos
fazem concluir que no Egito Antigo, há mais de cinco mil anos, a pessoa com
deficiência integrava-se nas diferentes e hierarquizadas classes sociais
(faraó, nobres, altos funcionários, artesãos, agricultores, escravos). A arte
egípcia, os afrescos, os papiros, os túmulos e as múmias estão repletos dessas
revelações. Os estudos acadêmicos baseados em restos biológicos, de mais ou
menos 4.500 a.C., ressaltam que as pessoas com nanismo não tinham qualquer
impedimento físico para as suas ocupações e ofícios, principalmente de
dançarinos e músicos.
Músico anão – V Dinastia –
Oriental Institute Chicago Os especialistas revelam que os anões eram
empregados em casas de altos funcionários, situação que lhes permitia honrarias
e funerais dignos. A múmia de Talchos, da época de Saíta (1.150 a 336 a.C.), em
exposição no Museu do Cairo, traz indicações de que era uma pessoa importante.
Já os papiros contendo ensinamentos morais no Antigo Egito, ressaltam a
necessidade de se respeitar as pessoas com nanismo e com outras.
O Egito Antigo foi por muito
tempo conhecido como a Terra dos Cegos porque seu povo era constantemente
acometido de infecções nos olhos, que resultavam em cegueira. Os papiros contêm
fórmulas para tratar de diversas doenças, dentre elas a dos olhos. Papiro
médico, contendo procedimentos para curar os olhos – Museu Britânico.
A pessoa com deficiência
física, tal como o Porteiro de Roma de um dos templos de deuses egípcios,
exercia normalmente suas atividades, conforme revela a Estela votiva da XIX
Dinastia e originária de Memphis, que pode ser vista no Museu Ny Carlsberg
Glyptotek, em Copenhagen, Dinamarca. Essa pequena placa de calcário traz a
representação de uma pessoa com deficiência física, sua mulher e filho, fazendo
uma oferenda à deusa Astarte, da mitologia fenícia. A imagem indica, segundo os
médicos especialistas, que Roma teve poliomielite.
Na Grécia
Platão, no livro A República, e
Aristóteles, no livro A Política, trataram do planejamento das cidades gregas
indicando as pessoas nascidas “disformes” para a eliminação. A eliminação era
por exposição, ou abandono ou, ainda, atiradas do aprisco de uma cadeia de
montanhas chamada Taygetos, na Grécia.
Platão
A República, Livro IV, 460 c –
Pegarão então os filhos dos homens superiores, e levá-los-ão para o aprisco,
para junto de amas que moram à parte num bairro da cidade; os dos homens
inferiores, e qualquer dos outros que seja disforme, escondê-los-ão num lugar
interdito e oculto, como convém (GUGEL : 2007, p. 63).
Aristóteles
A Política, Livro VII, Capítulo XIV, 1335 b – Quanto a rejeitar
ou criar os recém-nascidos, terá de haver uma lei segundo a qual nenhuma
criança disforme será criada; com vistas a evitar o excesso de crianças, se os
costumes das cidades impedem o abandono de recém-nascidos deve haver um
dispositivo legal limitando a procriação se alguém tiver um filho
contrariamente a tal dispositivo, deverá ser provocado o aborto antes que
comecem as sensações e a vida (a legalidade ou ilegalidade do aborto será
definida pelo critério de haver ou não sensação e vida)
(GUGEL : 2007, p. 63).
(GUGEL : 2007, p. 63).
Em Esparta os gregos se
dedicavam à arte da guerra, preocupavam-se com as fronteiras de seus
territórios, expostas às invasões bárbaras, principalmente do Império Persa.
Pelos costumes espartanos, os nascidos com deficiência eram eliminados, só os
fortes sobreviviam para servir ao exército de Leônidas.
Dentre os poetas gregos o mais
famoso é Homero que, pelos relatos, era cego e teria vivido em época anterior a
VII a.C.. Escreveu os belos poemas de Ilíada e Odisséia. Em Ilíada Homero criou
o personagem de Hefesto, o ferreiro divino. Seguindo os parâmetros da
mitologia, Hefesto ao nascer é rejeitado pela mãe Hera por ter uma das pernas
atrofiadas. Zeus em sua ira o atira fora do Olimpo. Em Lemnos, na Terra entre
os homens, Hefesto compensou sua deficiência física e mostrou suas altas
habilidades em metalurgia e artes manuais. Casou-se com Afrodite e Atena.
Homero e seu guia Dioniso conduz Hefesto ao Olimpo (Pintor de Cleofonte,
430-420 a.C.). Vaso de figuras vermelhas, Toledo Museum of Art.
Dioniso conduz Hefesto ao
Olimpo (Pintor de Cleofonte, 430-420 a.C.). Vaso de figuras vermelhas, Toledo
Museum of Art.
Em Roma
As leis romanas da Antiguidade
não eram favoráveis às pessoas que nasciam com deficiência. Aos pais era
permitido matar as crianças que com deformidades físicas, pela prática do
afogamento. Relatos nos dão conta, no entanto, que os pais abandonavam seus
filhos em cestos no Rio Tibre, ou em outros lugares sagrados. Os sobreviventes
eram explorados nas cidades por “esmoladores”, ou passavam a fazer parte de
circos para o entretenimento dos abastados.
Ao tempo das conquistas
romanas, auge dos Césares, legiões de soldados retornavam com amputações das
batalhas dando início a um precário sistema de atendimento hospitalar.
Foi no vitorioso Império Romano
que surgiu o cristianismo. A nova doutrina voltava-se para a caridade e o amor
entre as pessoas. As classes menos favorecidas sentiram-se acolhidas com essa
nova visão. O cristianismo combateu, dentre outras práticas, a eliminação dos
filhos nascidos com deficiência. Os cristãos foram perseguidos porém, alteraram
as concepções romanas a partir do Século IV. Nesse período é que surgiram os
primeiros hospitais de caridade que abrigavam indigentes e pessoas com
deficiências.
Os estudos históricos revelam
que havia imperadores romanos com deficiência, principalmente malformação nos
pés. São os casos de Galba (Servius Sulpicius Galba, 3 a.C. a 69 d.C.) e Othon
(Marcus Silvius Othon, de 32 a 69 d.C.).
EVANGELHO – Jo 9, 1-41
Naquele tempo, Jesus encontrou
no seu caminho um cego de nascença. Os discípulos perguntaram-Lhe: “Mestre,
quem é que pecou para ele nascer cego? Ele ou os seus pais?” Jesus
respondeu-lhes: “Isso não tem nada que ver com os pecados dele ou dos pais; mas
aconteceu assim para se manifestarem nele as obras de Deus”. [...] Dito isto,
cuspiu em terra, fez com a saliva um pouco de lodo e ungiu os olhos do cego.
Depois disse-lhe: “Vai lavar-te à piscina de Siloé”; Ele foi, lavou-se e voltou
a enxergar …
Belisário, acusado de trair o
Império, tem os olhos vazados e pede esmola, de Jacques- Louis David, Musée des
Beaux-Arts, Lille, France.
Em Alexandria foi criada a
primeira universidade de estudos filosóficos e teológicos de grandes mestres.
Dentre eles, Dídimo, o Cego, conhecia e recitava a Bíblia de cor. No período em
que começava a ler e escrever aos cinco anos de idade, Dídimo perdeu a visão
mas, continuou seus estudos, tendo ele próprio gravado o alfabeto em madeira
para utilizar o tato.
As Constituições romanas do
Imperador Leão III havia a previsão da pena de vazar os olhos ou amputar as
mãos dos traidores do Império. Há registros de que os índices de criminalidade
baixaram. Esta pena foi praticada até a queda do Império Romano e continuou
sendo aplicada no Oriente.
CONTINUA…
* GUGEL, Maria aparecida Gugel. Pessoas com Deficiência e o
Direito ao Trabalho. Florianópolis : Obra Jurídica, 2007.
SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada : A pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje. São Paulo : CEDAS, 19
SILVA, Otto Marques da. A Epopéia Ignorada : A pessoa Deficiente na História do Mundo de Ontem e de Hoje. São Paulo : CEDAS, 19